sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Carta ao Papai Noel

Seu moço eu fui um garoto 
Infeliz na minha infância 
Que soube que fui criança 
Mas pela boca dos ôto... 
Só brinquei com gafanhoto 
Que achava nos tabuleiro 
Debaixo dos juazeiro 
Com minhas vaca de osso 
Essas catrevage, moço, 
Que se arranja sem dinheiro. 

Quando eu via um gurizim 
Brincando de velocipe, 
De caminhão e de jipe, 
Bola, revólve ou carrim 
Sentia dentro de mim 
Desgosto que dava medo, 
Ficava chupando o dedo 
Chorando o resto do dia 
Só pruque eu num pudia 
Pegá naqueles brinquedo. 
Mas preguntei certa vez 
A uns fio dum dotô 
Diga, fazendo um favô 
Quem dá isso prá vocês? 
Mim respondeu logo uns três 
Isso aqui é os presente 
Que a gente é inocente 
Vai drumí às vezes nem nota 
Aí Papai Noé bota 
Perto do berço da gente. 

Fiquei naquilo pensando 
Inté o Natá chegá 
E na Noite de Natá 
Eu fui drumi me lembrando 
Acordei, fiquei caçando, 
Por onde eu tava deitado 
Seu moço eu fui enganado 
Que de presente o que tinha 
Era de mijo uma pocinha 
Que eu mesmo tinha botado. 

Saí c'a bixiga preta 
Caçando os amigo meu 
Quando eles mostraram a eu 
Caminhão, carro e carreta 
Bola, revólver, corneta, 
E trem elétrico, até 
Boneca, máquina de pé, 
Mas num brinquei, só fiz ver 
E resolví escrever 
Uma carta a Papai Noé. 

“Papai Noé é pecado 
Aos outros se matratá 
Mas eu vou lê recramá 
Um troço qui tá errado 
Que aos fio do deputado 
Você dá tanto carrin 
Mas você é muito ruim 
Que lá em casa num vai 
Por certo num é meu pai 
Qui num se lembra de mim. 

Já tô certo que você 
Só balança o povo seu 
E um pobre que nem eu 
Você vê, faz qui num vê 
E se você vê, porque 
Na minha casa num vem? 
O rancho que a gente tem 
É pequeno mas lhe cabe 
Será que você num sabe 
Qui pobre é gente também? 

Você de roupa encarnada, 
Colorida, Bonitinha, 
Nunca reparou qui a minha 
Já tá toda remendada 
Seja mais meu camarada 
Pr’eu num chamá-lo de ruim 
Para o ano faça assim: 
Dê menos aos fio dos rico 
De cada um tire um tico 
Traga um presente pra mim. 

Meu endereço eu vou dá 
De casa que eu moro nela 
Moro naquela favela 
Que você nunca foi lá 
Mas quando você chegá 
Qui avistá uma paioça 
Cuberta cum lona grossa 
E dois buracão bem grande 
Uma porta veia de frande 
Pode batê que é a nossa.

Obra-prima do mestre Luiz Campos
Ilustração: Arievaldo Viana

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